Segurança
de vôo é um assunto sério. No segundo
fatal de um acidente aéreo, com centenas de mortos,
já não há mais nada a fazer para reverter
a situação, apenas investigar e lamentar. A
questão da segurança tem que ser tratada muito
antes. A prevenção é sempre o melhor
remédio. Um remédio menos amargo. É uma
solução sem lágrimas, sem comoção,
sem corpos, sem incêndio, sem destruição,
sem parentes desesperados procurando por alguma informação,
sem desculpas, sem justificativa, mas, infelizmente, muitas
vezes também sem a importância e a prioridade
devidas.
Segurança de vôo não é assunto
para ser tratado de forma reativa, comandado pelas notícias
e fotos impressionantes do jornal logo após um acidente.
Caso contrário, as autoridades vão ficar sempre
apagando incêndios, literalmente!
É necessário tomar a frente, planejar, ser pró-ativo,
fazer aquilo que é básico em qualquer estratégia
de sucesso para o gerenciamento de tempo: dar prioridade às
coisas importantes e não urgentes. Prevenção
é isso, nunca é urgente, mas sempre é
extremamente importante.
No presente momento, por ocasião dos resultados da
investigação criminal do acidente da TAM em
Congonhas, as atenções se voltaram novamente
ao assunto. Diga-se de passagem, é sempre bom relembrar
que a investigação de acidente, feita pelo Centro
de Investigação e Prevenção de
Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) com a finalidade única
de evitar futuros acidentes semelhantes, embora focada no
mesmo evento, obviamente não tem nada a ver com a investigação
criminal, cujos objetivos são completamente distintos
da investigação de segurança de vôo.
Nesse contexto, para quem trabalha há muitos anos na
área de segurança de vôo, essa situação,
infelizmente, é sempre repetitiva: muitas pessoas buscando
“culpados” e “causas” de um acidente,
como se um evento dessa proporção fosse resultado
de apenas um pequeno conjunto de razões atuais muito
específicas.
O que poucos concebem é que, na verdade, as “causas”
do acidente não são “causas”, mas
sim “conseqüências” da participação
percentual de vários fatores contribuintes com raízes
que são, freqüentemente, originadas muito tempo
antes do acidente, e que não foram tratadas com a devida
importância na PREVENÇÃO.
Por quê?
Justamente porque gasta-se muito tempo com as ações
reativas, tratando das coisas “urgentes”, apagando
incêndios que consomem recursos materiais e humanos
das instituições, não deixando prioridade
adequada para as ações pró-ativas, as
ações importantes da prevenção!
Um exemplo típico desse fato ocorre no Brasil nesse
exato momento.
Com os acidentes das aeronaves da GOL e da TAM, as atenções
e esforços foram voltados para a correção
das “causas atuais” dos problemas da aviação
comercial e da infra-estrutura associada a esses vôos.
Enquanto isso, o Brasil tem uma das maiores frotas de aviação
geral do mundo, e que cresce dia-a-dia, tanto em número
de aeronaves, como em probabilidade de acidentes.
Apenas como exemplo, falta controle efetivo do poder público,
representado pela Agência Nacional de Aviação
Civil (ANAC) para a construção e operação
das aeronaves experimentais, dos “kits” montados
em “oficinas não autorizadas”, ou até
mesmo garagens. Existem muitos aeroclubes abandonados, as
horas de instrução estão caras o suficiente
para prejudicar a formação de várias
maneiras, existem muitas oficinas de manutenção
sem qualidade, entre outras coisas. Essas são apenas
algumas raízes de problemas que se desenvolvem silenciosamente
na aviação brasileira, como um câncer.
Com tudo isso acontecendo, é aconselhável que
todos nós fiquemos atentos para o céu, pois
a qualquer momento uma “geringonça voadora”,
montada em garagem, pode cair nas nossas cabeças!
Apesar da brincadeira, o assunto é sério! Com
a vontade de voar e de ter seu pequeno avião, pessoas
morrem dentro de máquinas mal construídas e
mantidas. Ainda pior, também matam outras pessoas no
solo que, por azar, estavam no caminho do acidente.
Alguns poderiam perguntar: “mas isso só acontece
aqui?”.
Claro que esses problemas não são específicos
do Brasil. Os mesmos potenciais de risco foram observados
e outros países com grande aviação geral,
como os Estados Unidos, porém, em resposta a esta constatação,
várias ações preventivas foram tomadas
pelo estado.
Como um ótimo exemplo, em 2004, o FAA (Federal Aviation
Administration) criou modificações na regulamentação
correspondente à certificação de produtos
e partes (FAR 21 - Federal Aviation Regulation 21) de forma
a ter maior controle sobre a qualidade de construção
de pequenas aeronaves leves esportivas e, ao mesmo tempo,
promover o desenvolvimento de empresas sérias, e gerar
empregos qualificados.
Aplicaram uma solução simples, como tudo que
é eficiente: criaram uma categoria chamada LSA (Light
Sport Aircraft - Aeronave Leve Desportiva) na qual, para serem
classificadas como tal, as aeronaves precisam obedecer a critérios
adequados de qualidade de fabricação (normas
ASTM).
Como essas aeronaves são mais seguras, podem ser vendidas
completas (não são “kits”) e podem
operar comercialmente, naturalmente o mercado virou-se para
as empresas qualificadas para produzi-las. Assim, ao invés
do FAA tentar fiscalizar milhares de “fabricantes de
garagem” (o que seria impossível), ele passou
a fiscalizar apenas os fabricantes de LSA, obtendo os resultados
de segurança e desenvolvimento desejados.
Outros países imediatamente seguiram o exemplo do FAA,
adotando as mesmas modificações e obtendo os
mesmos resultados positivos: mais segurança, melhores
condições para a formação de pilotos,
mais negócios, mais empregos!
No Brasil, a modificação do RBHA 21 (Regulamento
Brasileiro de Homologação Aeronáutica
21) para atualizar a legislação nacional com
o FAA 21 e acompanhar o desenvolvimento dos outros países
de importância no setor aeronáutico, está
pronta e aguardando aprovação pela ANAC (Agência
Nacional de Aviação Civil) desde 2006.
Esta simples ação administrativa de prevenção
permitiria vários efeitos positivos ao país,
por exemplo: imediatamente daria maior controle da ANAC sobre
a construção de pequenas aeronaves, aumentaria
a segurança de vôo, e ainda, ao longo do tempo,
ajudaria o desenvolvimento de empresas do setor, fomentaria
a criação de novos empregos, adensaria a cadeia
produtiva da EMBRAER, melhoraria a formação
de pilotos nos aeroclubes, potencializaria maiores exportações
do setor aeronáutico, etc. Essa ação
e suas implicações positivas para o país
são tão importantes que a FIESP incluiu este
assunto (regulamentação imediata dos LSA), em
seu relatório sobre a aviação civil do
Brasil, feito há poucos meses por especialistas de
várias áreas do setor aeroespacial, para o Ministro
da Defesa.
Porém, saindo da eficiência da prevenção
e voltando para a correção das deficiências
a serem corrigidas pela investigação dos acidentes…
Logicamente, espera-se que, com a execução das
recomendações do CENIPA nas respectivas investigações,
teremos um “pequeno período” de melhor
segurança. As “causas atuais” serão
sanadas com “afinco”. Porém, a melhoria
de “longo prazo” só é possível
com o planejamento e a execução de atividades
contínuas que visam eliminar do futuro as verdadeiras
“raízes” dos fatores contribuintes de possíveis
acidentes. Isso exige das autoridades (como a ANAC) muito
esforço, atenção e prioridade constante
para a prevenção, como o exemplo dado do caso
dos LSA.
Para terminar, deixamos duas pequenas questões interligadas,
para pensar: de onde você acha que sai grande parte
dos pilotos que comandam as aeronaves comerciais que você
voa, confortavelmente? O que você acha que acontecerá
com a sua segurança se não for dada devida atenção,
imediata, à aviação geral e aos aeroclubes?
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